O espelho
- Dr. Papaderos, qual o significado da vida?
Seguiu- se a risada habitual e as pessoas se mexeram nas
cadeiras, querendo ir embora.
Papaderos levantou a mão, silenciando a sala, e me olhou por um
longo tempo, perguntando com os olhos se eu estava falando sério e vendo nos
meus que eu estava.
- Vou responder à sua pergunta.
Ele tirou a carteira do bolso da calça, pôs a mão dentro da
divisória de couro e pegou um espelho redondo bem pequeno, mais ou menos do
tamanho de uma moeda de vinte e cinco centavos.
Disse então o seguinte:
- Quando eu era pequeno, durante a guerra, éramos muito pobres
e vivíamos em um vilarejo distante. Certo dia, na estrada, encontrei os pedaços
partidos de um espelho. Uma motocicleta alemã tinha se acidentado naquele
lugar.
- Tentei encontrar todos os pedaços e juntá-los, mas não era
possível. Então só guardei o pedaço maior. Este aqui, que esfreguei em uma
pedra, fazendo-o ficar redondo. Comecei a brincar com ele e fiquei fascinado ao
descobrir que podia refletir a luz em lugares escuros, onde o sol nunca
brilhava: em buracos profundos, fendas e armários. Aquilo virou um jogo para
mim, levar luz aos lugares mais inacessíveis que conseguia encontrar.
- Guardei o espelhinho e, à medida que ia crescendo, eu o
tirava do bolso nos momentos em que não estava fazendo nada e continuava com o
desafio do jogo. Quando virei homem, comecei a entender que aquilo não era só
uma brincadeira de criança, mas uma metáfora para o que eu poderia fazer com a
minha vida. Acabei percebendo que não sou a luz ou a fonte de luz. Porque a luz
- a verdade, a compreensão, o conhecimento – está ali e vai iluminar muitos
lugares se eu a refletir.
- Eu sou apenas o fragmento de um espelho do qual não conheço a
forma nem a finalidade. Mesmo assim, com o que tenho, posso refletir a luz nos
lugares escuros deste mundo, sobretudo nos corações dos seres humanos, e posso
mudar algumas coisas em algumas pessoas. Talvez outras pessoas me vejam fazendo
isso e façam o mesmo. É para isso que eu vivo. É este o significado da minha
vida.
Robert Fulghum